Fragmentos da Mudança

Já era tarde e ela queria dormir, depois de um dia de trabalho como aquele: chefe pegando no pé, computador com vírus, salto quebrado, almoxarifado mofado e tudo mais, ela só queria deitar e dormir, mas não podia. Ela precisava arrumar tudo, tudo mesmo, ia mudar amanhã e tinha muito para fazer: embalar copos, passar o restante da roupa, separar os livros da vizinha e entregá-los, jogar fora o lixo e tomar um remédio para sua sinusite que insistia em perturbar. Seria uma noite longa e curta, pois é: longa para tanta coisa que precisava fazer e não sabia por onde começar, curta para deitar e tirar um cochilo.

Começou escrevendo em três caixas: doação – lixo – devolver organizou tudo em cada setor daquele kitnet minúsculo, caixas cheias, os planejados estavam vazios e prontos para o próximo dono “que ele faça bom proveito”, ela pensou. Tinha vivido dias felizes ali, como o jantar que preparou para seu atual namorado no dia em que ele a pediu em namoro, o tal sonhado diploma, a notícia que ganharia um sobrinho, o primeiro salário e agora: o emprego dos sonhos, depois de tanto se debruçar sobre a cadeira e apagar totalmente enquanto estudava para esse concurso. Tudo ficaria para trás.

Era hora de realizar seus sonhos, ia para a casa nova que tanto sonhou e juntou seus trocados para comprar, ia para o novo emprego fruto de tanto esforço e lá o chefe não era uma mala embora ela não ligasse se ele fosse, afinal, era o emprego dos sonhos, dali a um mês era seu casamento e desse kitnet nem as roupas levaria consigo.

Era de fato uma vida nova, tomou banho, lavou os cabelos e foi dormir, amanhã seria o primeiro dia de sua nova vida e ela estava pronta para recomeçar a viver.